12 Horas de Emoção e Adrenalina

Conheça algumas histórias dos bastidores da prova de longa duração mais desafiadora do país.
Enfrentar o medo, se desafiar, ultrapassar os seus próprios limites em busca da emoção coletiva. É assim que uma turmh,a empenhada vive cada nova edição das 12 horas de Tarumã. E neste sábado, chegamos à 42ª. Além das equipes, pilotos e fãs da velocidade que ocupam as arquibancadas, inúmeras outras pessoas são responsáveis por tornar o evento ainda mais especial. Eles estão nos bastidores, na pista, nos boxes, na torre de comando, atrás do microfone e por trás das lentes. Movidos pela adrenalina vinda dos quatro cantos do Autódromo de Tarumã, cada nova edição tem um espaço cativo no coração de quem vive esse evento de corpo e alma. Além do sentimento de gratidão por fazerem parte, em suas memórias também carregam grandes histórias de momentos que jamais passariam despercebidos por eles.
Veterano quando o assunto é 12 Horas de Tarumã, Ademir Perna Moreira é a voz da competição mais desafiadora do país desde 1988. Em suas recordações carrega muitas histórias e sentimentos que o acompanham desde o primeiro dia em que pegou o microfone na mão para narrar a prova mais aguardada do ano. “Cada edição é um universo de coisas acontecendo. Algumas foram mais marcantes, outras mais difíceis. Eu acredito que entre as mais marcantes esteja a edição na qual a Maria Cristina venceu logo após a morte do pai, aquilo sensibilizou a gente. Outras edições marcaram pelo drama dos acidentes. Afinal, saber que tem um amigo machucado marca uma corrida. Não é um aspecto positivo, mas acaba marcando aquele evento. E por falar em emoção, a edição em que o meu pai estava presente também me marcou muito. Foi a mais bacana de todas. Neste ano, vou para a segunda edição sem o pai.”, recorda.
Há tantos anos à frente da narração, Perna já presenciou de perto as dificuldades, o avanço e a modernização da competição. “Os pilotos da minha geração enfrentavam os mesmos desafios que os jovens de hoje enfrentam, mas hoje você pode descansar, tem apoio tecnológico, você pode acompanhar o resultado, os carros estão melhores para correr esse tipo de corrida. Apesar disso, nenhuma é fácil, mas acredito que a mais difícil até o momento tenha sido a de Guaporé em 1994. Na época, estavam recapando o Autódromo de Tarumã, por isso, a prova precisou ser realizada em Guaporé. O autódromo não tinha uma estrutura, uma logística para realizar uma prova desta envergadura. Foi difícil, não tiveram muitos participantes. Além disso, naquela época, para eu realizar o meu trabalho, não existiam esses monitores com toda a classificação, diferença de tempo e melhor volta. Nós recebíamos da cronometragem um papel de hora em hora impresso. E quando pegávamos a parcial já tinha mudado tudo. Aquele resultado já não correspondia mais ao momento da corrida”, relembra.
Com riso fácil e carisma nas alturas, Perna conquistou facilmente o carinho e admiração da galera. “Eu recebo um tratamento de família. Às vezes eu chego cansado, tenho que dormir um pouco e qualquer um daqueles motorhome é um lar para mim. Em vários deles eu deito, durmo e ainda recebo um café”, conta. Apaixonado pelo agito e pela energia das arquibancadas, Perna recorda o período em que não era permitido a presença de público devido à pandemia. “Eu gosto muito da loucura da galera. O pessoal vai lá pelo churrasco, pelo acampamento, o ponto de encontro deles é a corrida, mas tem uma galera que vai só pelo agito. Então, a prova sem público foi algo sem sentido. Eu ia trabalhar com um aperto no coração, com medo de chegar lá e fazer o teste e dar positivo e não poder narrar. Era algo novo, ninguém sabia o que estava acontecendo. Foi uma época muito difícil para mim, porque eu não estava narrando para a arquibancada, estava narrando para pessoas que sabiam muito mais do que eu. Eu não tinha o público lá, foi frustrante. Então o retorno da galera foi maravilhoso. Eu gosto muito de Tarumã, e ver aquele lugar cheio de vida foi fantástico”.
Comunicativo, apesar da necessidade, preservar a voz não é uma tarefa fácil para Perna. Quem tem o privilégio de conhecer a voz do automobilismo gaúcho, sabe que a desenvoltura, o domínio do assunto e a arte do improviso são grandes companheiros dele. Prestes a narrar mais uma edição, Perna conta que já começou a preparação há mais de uma semana, mas que ainda segue com dificuldade para deixar o improviso de lado. “Eu estou me preparando para essa corrida desde a semana passada. Eu organizo os meus anunciantes em blocos e preparo os textos. Todos os anos eu tento gravar, mas acabo não fazendo porque eu acho que fica muito mecanizado. Então toda a relação de patrocinadores eu falo ao vivo, mas nessa edição eu vou tentar gravar, pois, isso me ajudaria a manter a minha voz até o final, iria me auxiliar a preservar ela”, explica.
A maratona não é fácil, para se manter firme até o encerramento são necessários alguns rituais para amenizar o cansaço. “Sempre por volta das seis horas da manhã eu desço, lavo o rosto, tomo um café, escovo os dentes e pego a minha moto para dar uma volta, pegar um vento no rosto e me recompor novamente. E assim que retorno do café, vou para a torre e conto uma história. Eu conto uma história de como foi a madrugada para o pessoal que dormiu ou que chegou no autódromo no início da manhã. A história da madrugada é muito legal de contar, e isso eu faço sempre”, diz. Após recapitular os melhores momentos, Perna tenta desacelerar por volta das 10 horas da manhã. “As últimas duas horas são as mais duras, até lá, eu preciso encher o tempo, preciso ter conteúdos. No entanto, quando faltam duas horas para o término da prova tento me resguardar. Porque são nessas duas últimas horas que a corrida realmente acontece. A competição só se define praticamente depois desse horário”, afirma.
Apaixonado pela prova, Perna nem vê o tempo passar.”Poxa já estamos na 42ª edição?. O tempo voa mesmo. Vou para mais uma 12 horas, eu acabei entrando para a história da corrida. Não era essa a minha ideia quando eu comecei, mas hoje tenho certeza que estou na história dessa corrida. Acho que quando contarem sobre essa época certamente vou ter uma boa participação nessa história. A expectativa para esse ano é alta, vou rever os amigos. Tem gente que vai a Tarumã uma vez por ano, que só vai durante as 12 horas, então durante a competição eu reencontro as pessoas que vi nas edições anteriores. Vem gente de todo o estado, e eu reencontro elas”, fala.
Além do Perna, Marcos Moschetta também faz parte dos veteranos quando o assunto é 12 Horas de Tarumã. Responsável por ser os olhos da competição e por levar a prova para milhares de espectadores, Moschetta carrega em sua trajetória muitos momentos marcantes. “Eu faço a cobertura desde 1998. A primeira cobertura que fiz foi para o programa “Veículos e velocidade” da TV Bandeirantes. Fiz sozinho com apenas uma câmera. Me recordo de sair às seis horas da manhã da curva 1 de Tarumã e fazer todo o contorno no autódromo com uma câmera, saindo da curva dois, três, laço, tala e tudo internamente pelo mato. Lembro de ter chegado de volta no box por volta das dez horas com as canelas sangrando de tanto caminhar pela vegetação. Eu estava tão extasiado por ser a minha primeira cobertura da prova que nem senti nada. A minha ideia era fazer todo o contorno fazendo o planejamento para tentar realizar a sequência da prova com vários takes e várias curvas para depois juntar tudo”, lembra.
Apesar de já estar familiarizado com a dinâmica da prova, Moschetta conta que ainda não consegue controlar a ansiedade para se preparar e diminuir a exaustão. “Nesses vinte e poucos anos que eu realizo a cobertura tento me preparar de um jeito, mas nunca consigo. Eu vou de peito aberto como se fosse uma etapa normal. Os pilotos chegam mais tarde, e eu já estou lá desde cedo, eu não consigo parar para descansar o corpo e a mente para chegar e para ter mais tempo de durabilidade. A ansiedade é tão grande para essa prova, que eu vou de manhã, durmo meia hora de madrugada e vamos embora. É uma prova que todo mundo espera, a ansiedade é grande para todos. Algumas pessoas têm essa habilidade de trocar o horário para descansar e se preparar, mas eu não consigo. Eu vou fulltime. Chego às dez horas da manhã de sábado e saio domingo às 14h da tarde. Essa é às 12 horas. Para quem está envolvido é muito mais do que doze, são vinte e quatro, trinta e seis, quarenta e oito horas”, diz. Animado, Moschetta conta como está a expectativa para essa edição e revela um sonho. “A expectativa para a 42ª edição é chegar na última volta com dez carros juntos. É um sonho, né?!. Uma expectativa até pelo regulamento da categoria. Cada uma das edições tem um desafio, uma perspectiva nova, uma tentativa de fazer melhor, então a cada edição você quer melhorar, e o desafio a cada etapa, a cada ano, só aumenta”, afirma.
Apaixonada pelo que faz e com brilho no olho quando o assunto é automobilismo, apesar da pouca idade, Loara Silveira já viveu grandes emoções no autódromo de Tarumã. “A primeira edição que participei foi no ano de 2011, onde acompanhei tudo da arquibancada. Em 2012 eu já trabalhava no Autódromo e fazia bicos na sinalização aos finais de semana, então trabalhei na saída de box da edição daquele ano, o que se repetiu em 2013 também. De 2014 em diante, já estava fazendo parte da organização do evento e fazendo secretaria de prova”, recorda.
Diretamente da arquibancada para a linha de frente do evento, Loara conta que tem um carinho especial por uma das edições. “A edição que mais me marcou foi a de 2019, onde houve uma grande mudança no formato do evento e todos os envolvidos tiveram que se reinventar. Tivemos muito mais trabalho do que nos anos anteriores, eu passei a fazer parte da equipe de linha de frente do evento e as responsabilidades aumentaram muito. Foi uma virada de chave total, trabalhamos o evento como um produto comercial pela 1ª vez, trouxemos empresas parceiras para dentro do autódromo, investimos para criar a identidade das 12 Horas com site novo, página no Wikipedia, transmissão ao vivo, criamos produtos e souvenires da marca, o autódromo passou a ser decorado nos mínimos detalhes, com bandeiras, placas, luzes, às 12 Horas de Tarumã se tornou um verdadeiro espetáculo. O ano de 2019 foi de muitas mudanças e crescimento para o evento e para nós como profissionais. Sempre vou lembrar de 2019 como um grande divisor de águas”, diz
Com tantos detalhes e responsabilidades, fica até difícil se preparar para enfrentar o evento que exige resistência e paciência, mesmo assim, Loara conta com uma grande aliada para controlar a ansiedade desse período, a fé. “Não tem um momento em que eu pare e diga: agora vou me preparar para as 12 horas. Isso porque, a gente termina uma edição e já começa a pensar na próxima, o que deu certo, o que deu errado e o que pode melhorar. Mas chegando na semana da prova, eu sempre lembro de parar um pouquinho para entregar tudo nas mãos de Deus, pedir discernimento e sabedoria para lidar com os desafios e agradecer pela oportunidade de estar trabalhando mais uma vez nesse projeto que tanto amo. Peço proteção para mim, para os meus colegas, equipes e pilotos. Que todos possam se divertir fazendo o que mais amam. Quem participa das 12 horas sabe, ela tem um brilho diferente, um sentimento diferente, o arrepio e o frio na barriga na hora da largada. Estou ansiosa e empolgada para ver mais uma edição acontecendo”, conta.
A frente da coordenação do Autódromo de Tarumã juntamente com Loara, das 42 edições, Valéria Meirelles já participou de 23. Com muitas histórias em sua trajetória, ela recorda de duas edições que a fizeram superar os próprios limites. “De todas as edições que já participei, duas foram as mais difíceis. Quando chegamos perto do final de ano, e vem às 12 horas, lutamos para vencer e chegar com algo incrível para o encerramento daquele ano. Recordo que tivemos uma prova que por votação foi estabelecido que teríamos que fazer a largada ao meio-dia de sábado. Nunca tinha acontecido algo assim, foi difícil de enfrentar, mas acabou sendo uma das melhores edições que tivemos. Outra edição que foi uma barreira a ser vencida foi a troca dos protótipos para a turismo 1.4. Na época, tivemos poucos apoiadores e muitas críticas por ser uma prova tradicional e com pilotos de renome. O novo muitas vezes assusta, mas quando largamos com mais de 30 carros no grid foi um alívio enorme. Lembro do nosso presidente emocionado com o sentimento de missão cumprida. Foi gratificante. E apesar dessas duas edições terem marcado muito, acredito que todas possuem o seu encanto e seu diferencial, ver a batalha dos pilotos para chegar até o final é algo indescritível”, relata.
Quem vive de perto a prova de longa duração mais desafiadora do país, enfrenta muito mais do que doze horas. São meses de preparação para que tudo aconteça da melhor forma possível. No entanto, segundo Valéria, todo esse esforço é recompensado. “No ano passado, acho que foi um dos primeiros anos que desci por volta das nove da manhã e caminhei pelos boxes, coisa que eu não tenho costume de fazer porque sempre tem uma coisa ou outra, e quando eu percebo a prova já terminou. Mas naquela edição, nós descemos e vimos os motores desmontados, os mecânicos acabados, correndo para montar uma roda, as rodas quebradas, e isso tudo, nós nunca tínhamos visto de perto, foi algo bem emocionante. A dedicação de todos faz a diferença, trabalhamos o ano todo para chegar nas 12 Horas de Tarumã. Pensamos em todos os detalhes, tentamos melhorar a cada ano, e ver a imagem do público e da largada faz tudo valer a pena. Vale todo o esforço”, diz.
Responsável por toda parte operacional de pista como sinalizadores, resgate, ambulância e plataforma, Leticia Dimare vai para a sua 11ª participação nas 12 Horas. “A minha primeira edição foi em 2011, mas é sempre um frio na barriga quando vai largar, é sempre uma emoção, aquela tensão, mas quando chega no fim é uma alegria, um êxtase com a bandeirada final. Sempre vem um choro, uma sensação de dever cumprido, é inexplicável. Só quem está lá, e que faz parte dessa loucura toda, é capaz de entender. É gratificante, é muito cansativo, exaustivo demais, é tudo no limite, mas é gratificante”, afirma.
Com tantas responsabilidades, Letícia conta um pouco de como é a preparação da equipe para o grande dia. “Temos quase 50 vidas em nossas mãos, entre todos que estão na pista, resgate, equipe médica e pilotos, então a nossa cabeça não para, precisamos estar extremamente atentos durante todo o tempo. Por isso, nós realizamos treinos noturnos. E assim, conseguimos ver o que falta, os tipos de carros que irão competir, quais são os pilotos para a gente poder organizar a equipe. Na verdade, nós precisamos deixar a pista e a equipe pronta. Eu vou avaliando conforme vamos fazendo o evento. Assim vamos organizando a equipe e montando todo o esquema. Os treinos noturnos já definem bastante para nós quem irá trabalhar. A maratona já começa na quinta-feira, onde começamos a sabatina de organização e de divisão do pessoal para poder dar tempo de descansar, de estar inteiro no sábado. Mas antes disso, na sexta-feira nós trabalhamos o dia inteiro também, até a meia-noite com treino noturno para os últimos acertos de iluminação e de material de trabalho e equipe”, conta.
Após identificar o que precisa melhorar e quais equipes irão executar os trabalhos, a preparação continua de forma intensa até a data do evento. Assim como grande parte dos entrevistados, Letícia também não consegue controlar a ansiedade. “No sábado, nós chegamos às 8h da manhã para o Trackday, eu não tenho ido durante o dia nos últimos anos porque é extremamente cansativo chegar na manhã de sábado e sair somente no domingo após o encerramento. O restante da equipe consegue se revezar, se dividir, todo mundo trabalha em duplas, mas eu não. Então para mim, é muito massacrante se eu for passar o dia e mais a noite. Por isso, estou indo só à noite. A minha preparação é sair do autódromo na sexta-feira de noite e ir para casa descansar um pouco, mas a cabeça fica a milhão, a gente acaba não relaxando porque fica naquela adrenalina que só vai passar mesmo no domingo quando dá a bandeirada final”, explica. Empolgada, Leticia conta o que espera da 42ª edição das 12 Horas de Tarumã. “Que seja emocionante aos que amam o automobilismo como eu, e que nós consigamos executar o nosso trabalho com sucesso para que na hora da bandeirada final, a gente possa agradecer”, afirma.
Ter ouvido essas histórias só confirmou a certeza que temos de que às 12 Horas de Tarumã tem o poder de impactar e contagiar diferentes gerações. Não há relatos de pessoas que tenham saído da mesma forma com que entraram no autódromo. A energia é tão grande que é capaz de emocionar até mesmo aqueles corações mais duros. O motivo talvez esteja diretamente relacionado com a paixão e dedicação de cada uma das pessoas que dão tudo de si para que o evento seja inesquecível. Cada segundo de prova carrega um pouco do suor e da lágrima de emoção de quem ama o que faz. Não existe uma explicação capaz de expressar a magnitude dessa prova.