Memórias de um Fotógrafo

Eduardo Leal completa 30 anos de experiência com fotografia automobilística e recorda momentos importantes de sua carreira
Através da lente de um fotógrafo, muitas histórias e momentos importantes têm o privilégio de serem eternizados. Se tornam memórias palpáveis de uma época que ficou para trás, registros que carregam consigo a perspectiva do olhar atento de um profissional apaixonado pelo que faz. Um fotógrafo tem o dom de nos fazer enxergar através de seus olhos, de suas lentes, de sua narrativa, do seu clique preciso. Enquanto alguns veem a fotografia como um hobby, outros enxergam através dela, o seu verdadeiro potencial.
Foi na infância, durante suas idas ao Autódromo Internacional de Tarumã, com o irmão, que Eduardo Leal descobriu precocemente o que gostaria de fazer pelo resto de sua vida. Hoje, prestes a completar 30 anos de carreira, Dudu, como é chamado carinhosamente pela pilotada, recorda alguns momentos que marcaram o início de sua trajetória profissional. “Desde criança eu ia com meu irmão em Tarumã, e com 15 anos, entrei para a sinalização para poder ficar dentro da pista e fotografar com uma Yashica de filme. Foi nessa época que tudo começou. Eu sempre quis fazer fotografia de automobilismo”, conta.
Apesar de ter começado a fazer seus registros com 15 anos, foi aos 18, que Dudu enxergou a fotografia profissionalmente quando começou a trabalhar no jornal Pit Stop. Desde então, nunca mais parou de fotografar. Entre seus cliques pelo Brasil afora tem registros de corridas de motovelocidade, kart, fórmula 1, fórmula Indy, copa truck, turismo 1.4 entre outras competições importantes do automobilismo. Mesmo estando frequentemente nos autódromos e sendo apaixonado pela velocidade, Dudu nunca pensou em ser piloto. “Eu nunca tive curiosidade de pilotar, meu negócio sempre foi tentar a melhor foto. Fotografia para mim é tudo, eu amo fotografar”, diz.
A determinação e o amor pela fotografia sempre fizeram parte da vida de Dudu. Foi exatamente o amor pela profissão que o motivou a continuar após passar por um grande obstáculo. “O maior desafio da minha carreira foi quando tive um incidente com um incêndio na minha casa. Perdi praticamente todo o meu acervo fotográfico. Isso porque, na época, as fotos eram de filme, um produto altamente inflamável, então ali tive que começar do zero. Foi um baque muito grande”, recorda.
O incidente ocorreu no final da década de 90. Dudu estava fotografando uma corrida de motovelocidade quando recebeu a notícia. “Foi muito complicado, meu filho tinha acabado de nascer, eu estava em uma corrida em Guaporé, e a minha casa era na estrada da Serraria. Quando estava voltando da corrida com o meu filho e a mãe dele, minha mãe e o meu pai pediram para eu passar na casa deles antes, pois queriam falar comigo. Quando cheguei lá, a minha mãe informou que eu havia perdido tudo. Ela contou que havia pegado fogo na minha casa, e que eu havia perdido tudo o que estava no meu escritório. Eu só consegui ir na minha casa no outro dia, porque já era muito tarde. O fogo era tão forte que derreteu até mesmo os troféus que eu tinha do Zé Crebilon, o nosso artista plástico que fez história no automobilismo”, lembra.
Além dos troféus e dos filmes fotográficos, Dudu também perdeu algumas de suas máquinas e lentes. “Perdi muita coisa, a casa como era alugada tinha seguro e eles conseguiram arrumar. Continuei morando lá por alguns anos após o incêndio. Foi um baque muito grande, mas tive apoio da pilotada e eu também era novo, apesar de ter sido terrível, aquilo não me abalou muito. Fiquei chateado por ter perdido o acervo da fórmula 1 e da fórmula Indy. Fiquei apenas com algumas fotos que estavam reveladas daquelas competições”, recorda.
Apesar de ter perdido grande parte de seu acervo, Dudu se manteve firme e continuou com o propósito de registrar o melhor do automobilismo. A busca pela foto perfeita já o fez passar por momentos incríveis e até mesmo assustadores. “Uma das histórias mais marcantes da minha vida aconteceu durante uma Fórmula Truck nos meados de 2000. Foi logo na primeira corrida deles aqui, eu estava no laço posicionado para fazer uma foto e um caminhão perdeu o freio, ele cruzou por cima do guard rail a mais de 150 quilômetros por hora, e eu tinha dado uns cinco passos para o lado na volta anterior. Se eu estivesse no mesmo lugar, o caminhão tinha passado por cima de mim. Ele levou cerca, levou tudo”, conta.
Além de Dudu, havia um caminhão estacionado próximo ao local com uma família que assistia à corrida. “Naquela época, o público ficava no laço. Tinha um caminhão estacionado, e ele bateu nesse caminhão de lado, tinham cadeiras, brinquedos de crianças e um churrasco acontecendo. Naquele exato momento, as crianças tinham saído e o pai delas havia ido atrás para ver o que estavam fazendo. Na época, era o Aurélio o organizador, ele veio e chorava como criança na volta daqueles caminhões batidos. Se eu não tivesse dado aqueles cinco passos e as crianças não tivessem ido para trás do caminhão que estava parado, poderia ter acontecido algo pior”, recorda.
Ao longo dos 30 anos como fotógrafo, Dudu já viveu outros momentos curiosos que ficaram longe de suas lentes. Entre as recordações está um sufoco que passou ao lado do grande Ademir Perna Moreira. “Eu e o Perninha sempre fomos muito parceiros em viajar juntos. Eu não tinha carteira de habilitação, então o meu pai emprestava o carro e o Perna ia de motorista. Fizemos uma corrida em Guaporé e o Perna vinha dirigindo o carro do meu pai, um Kadett, quando fomos parados em uma blitz da polícia em Encantado. O policial chamou o Perna, e acabei descendo junto. Na sala da polícia estadual, ele perguntou se o Perna havia bebido, pois estava com cheiro de álcool. De imediato olhamos um para o outro, e falamos que estávamos trabalhando até aquele horário. Logo o Perna lembrou que os pilotos haviam dado um banho de champanhe nele durante o pódio. Ele contou isso ao policial, informou ser o locutor da corrida e eu o fotógrafo, mas o cara não engoliu muito a nossa resposta. E no momento da abordagem, estávamos sem o cinto de segurança, isso a muitos anos atrás, o policial acabou nos multando por não estarmos utilizando o cinto, e nos mandou ir embora”, lembra.
Ao longo da carreira, Dudu pode acompanhar de perto a evolução dos pilotos através de seu olhar atento. “É uma grande gratidão. Faço os registros e acabo acompanhando o crescimento dos pilotos. O Vitor Genz que correu na Stock Car, o João Neto, o Guga Gama e o filho dele, o Arthur. Esses meninos eu fiz fotos deles quando estavam ainda no Kart na categoria cadete com cinco e seis anos de idade, e hoje, estou fotografando eles em grandes conquistas. O Arthur está pincelando para a gente que vai disputar uma Stock Car, o Vitor Genz já passou por uma Stock, então isso é muito gratificante para mim. Comecei fotografando os pais, e agora, estou fotografando os filhos. É sensacional”, diz.
O amor à profissão que passa de pai para filho não é exclusivo dos pilotos do nosso automobilismo, Dudu também vive a emoção de dividir o ofício com o filho, Fábio Leal. “Uma das maiores alegrias da minha carreira é ver agora o meu filho seguindo os meus passos. Isso está me dando uma felicidade enorme”, diz. Assim como Dudu, Fábio Leal também demonstrou amor pela fotografia muito cedo. “Nasci dentro do autódromo vendo o meu pai trabalhar, acompanhando ele nas corridas. Meu primeiro contato com a câmera aconteceu quando eu tinha uns 15 anos, foi quando comecei a tirar as minhas primeiras fotografias, e aos 17, tive minha primeira foto publicada com o meu nome. Eu me inspiro muito na trajetória do meu pai, sei que ele é uma lenda no autódromo. Sei que, literalmente, ele estava lá quando tudo era mato e chão batido ainda. Acredito que se eu for cinquenta por cento do fotógrafo que ele é, eu serei um bom fotógrafo. Porque ele é incrível”, conta.
A relação de parceria entre pai e filho está rendendo muitos ensinamentos para os dois. “Eu sempre falo para o meu filho que se ele fizer com amor terá um resultado excelente, mas se for para um trabalho com a cabeça cheia de outras coisas, se não estiver focado, isso vai passar para a foto. É uma coisa impressionante. Então eu sempre vou para um trabalho com prazer, sempre vou pensando no que vou fazer. Agora o meu filho está seguindo os meus passos, e eu sempre digo para ele amar o que faz, pois assim, o resultado virá”, diz Dudu.
Mostrando que segue cada um dos conselhos do pai, Fábio fala com orgulho e gratidão sobre a convivência entre os dois nos autódromos. “Trabalhar com ele é maravilhoso, eu já estou há anos tirando fotos com ele. Toda a corrida ele me mostra um lugar diferente, tudo é um grande aprendizado. Até hoje, sempre que estamos em uma corrida, estou aprendendo algo com ele. Eu já tirei algumas fotos parecidas com as dele, mas é óbvio que ele é melhor. Pelo tempo de experiência, pelo carisma também. O meu pai é uma pessoa que não tem um inimigo dentro do autódromo, as pessoas elogiam ele para mim. Falam sobre o quanto ele é um cara incrível. Então trabalhar com ele é uma dádiva, eu me sinto feliz em saber e em poder usufruir disso. Quando estou lá com ele, eu só paro e escuto, absorvo toda a informação que ele tem para me passar. Ele é muito dedicado no que faz, não importa se é uma corrida de quatro ou de sessenta carros, ele sempre vai dar duzentos por cento dele para entregar o trabalho sem erro”, conta Fábio.
Como bem lembrou Fábio, além de ser conhecido pelo belo trabalho que desempenha, outra marca registrada de Eduardo Leal é a empatia e o respeito dentro dos autódromos. “Sempre fui muito bem recebido por todas as equipes e pilotos. Nessa última corrida, por exemplo, eu estava almoçando em um restaurante próximo com o meu filho quando encontrei um piloto que não corre há muitos anos. Eu o cumprimentei, e apresentei o meu filho. Então ele disse para o Fábio: -Duduzinho, deixa eu te dizer uma coisa, o teu pai é uma pessoa que enquanto eu estava dentro do autódromo, não havia ninguém que não gostasse dele pelo carisma e educação-. Quando ele falou isso, fiquei muito orgulhoso. Eu sempre tratei todo mundo com muita educação e sempre fui muito bem recebido em todos os boxes do autódromo. Ouvir ele falando isso me deixou muito contente. Acho muito legal essa parte que criei dentro do autódromo, de ser uma pessoa querida por eles. Respeito todos os pilotos e trato todos eles de forma igual, isso é um legado que trago comigo”, relata Dudu.
A equipe Plus Veículos deseja que os registros feitos por Dudu sigam fazendo parte da história do automobilismo. Que os cliques precisos acompanhem a trajetória das futuras gerações de pilotos, e que as fotografias se tornem importantes recordações de momentos marcantes para os apaixonados por velocidade.
Texto: Fernanda Pereira
Fotografia: Eduardo Leal